Especialistas pedem mais interação da Academia com a sociedade
Mesa marcou a abertura do 4º Congresso de Extensão e Cultura da Unicamp
TweetAutor Tote Nunes (SEC) l Fotos Antonio Scarpinetti (SEC) l Edição de imagem Alex Calixto (SEC)
O Hino Nacional cantado em língua Tikuna pela aluna Mowatcha e as participações do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos e dos professores Olgamir Amancia Ferreira e Renato Peixoto Dagnino marcaram a solenidade de abertura do 4º Congresso de Extensão e Cultura da Unicamp, realizada na tarde desta segunda-feira (21), no auditório do Centro de Convenções. Organizado pela Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec), o congresso reúne profissionais de todo o país para discutir questões relacionadas à extensão e cultura no ambiente universitário. (Veja programação completa aqui)
O pró-reitor de Extensão e Cultura, Fernando Coelho, destacou a importância do evento. “É trazer a comunidade para a universidade e levar a universidade à comunidade. Não apenas no sentido de que a Universidade é a dona do saber, e sim de que a Universidade precisa conhecer os saberes que não são dela, mas que são fundamentais para que o nosso processo de geração de conhecimento seja influenciado pela comunidade que está ao nosso redor”, disse o pró-reitor.
Coelho diz que a realização do congresso – que, neste ano, tem como tema "Curricularização e Democratização" – é um momento de reflexão. “No sentido de nos questionarmos sobre qual é a Universidade que teremos daqui a pouco; a partir do instante em que a extensão estiver completamente integrada aos nossos currículos”, diz ele.
“Quais são os alunos que iremos formar? Qual a forma que cada curso de graduação vai ganhar, já que se trata de uma atividade que exige a participação intensa da comunidade? É um grande desafio. Mas tenho certeza de que, no final, teremos alunos que, além de se transformarem em bons médicos, bons dentistas, bons professores de idiomas, também serão cidadãos sensíveis à realidade do país onde vivem; que saberão transformar essa realidade de maneira a fazer com que o país seja menos desigual”, completou o pró-reitor.
O reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, disse, na solenidade de abertura, que as atividades de extensão são uma grande oportunidade de interação entre a universidade e a sociedade. “A extensão é o canal em que estreitamos os nossos laços com a comunidade e deve ser a ponte de contato com as organizações sociais. Com a extensão, renovamos o compromisso de que as coisas que a gente pesquisa aqui (na universidade) estejam cada vez mais em sintonia com os desejos e necessidades da sociedade”, acrescentou ele.
Para o presidente do Fórum de Pró-reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras, Hélder Silveira, uma universidade de fato democrática é uma instituição mais aberta. “É um lugar onde os professores atuam para desenvolver ensino, pesquisa e extensão de forma horizontal, sem achar que uma dessas dimensões constitucionais é mais importante que a outra”, disse ele. “A universidade democrática é uma universidade que está aberta, de fato, à população, e o desafio que se impõe é saber de que modo conseguiremos fazer com que a universidade seja o lugar do povo, onde as pessoas se sintam confortáveis”, acrescentou ele.
Quais são os limites da ciência?
Convidado especial do Congresso, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos lembrou que não há nada no mundo que a ciência possa resolver inteiramente. É preciso, segundo ele, descobrir outros modelos de conhecimento.
“Quais são os limites da Ciência? A questão é que a Ciência só responde a problemas que pode formular cientificamente. Se não formularmos um problema cientificamente, a ciência não responde. Ela não é capaz de entender. Por exemplo, não consegue responder o que é felicidade. Por que estamos aqui? Para onde vamos? Os nossos antepassados estão conosco aqui? Qual o propósito da vida? Nenhuma dessas perguntas pode ser respondida cientificamente”, disse o professor, doutor pela Universidade de Yale e professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em Portugal.
“E como não há resposta científica, então não interessa à ciência. E quando a ciência está sozinha, transforma os problemas que não pode resolver em problemas que não são importantes, recusando-se a resolvê-los”, acrescenta. De acordo com ele, o conceito de felicidade contém, por exemplo, domínios da espiritualidade, completamente externos à ciência. “Não estou falando de religião, e sim de espiritualidade, da dimensão do transcendente, que os povos indígenas e os quilombolas conhecem muito bem, mas que nós não”, afirma. “O primeiro limite da ciência tem a ver com isso. O segundo limite é que o pensamento científico é muito importante para acumular informação e conhecimento, mas é muito pobre em sabedoria”, ensina.
O professor contou que, ainda jovem, realizou o primeiro trabalho de campo na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, onde viveu por quatro meses. Como forma de coleta de informações, passou a conversar rotineiramente com personagens da comunidade – com um sapateiro, um dono do botequim, um pai de santo e outros –, descobrindo ali a sabedoria popular. Saberes que, segundo ele, não passavam pelos cursos universitários. “Eu, a partir daí, aprendi que o meu conhecimento como sociólogo é importante, mas que há outros conhecimentos”, confessou.
Para o professor Boaventura, a ciência tem mais um limite. “Ela é muito boa no conhecimento técnico e científico, mas é muito pobre em ética”, diz. Segundo ele, o mundo vive a 4ª Revolução Industrial, mas lança mão de uma ética do século 19. “É a irresponsabilidade ética numa sociedade que eventualmente acabará com 15% de todos os postos de trabalho no mundo. Em algumas partes do mundo, como na Etiópia, por exemplo, pode-se chegar ao fim de 70% desses postos, porque o país trabalha fundamentalmente para as indústrias da China e da Ásia. O que será do futuro dessa sociedade? Isso não se discute”, avalia. “Hoje se discute até os problemas éticos do algoritmo, mas não se discute esse tipo de problema”, acrescenta.
Para Boaventura Sousa Santos, a ciência pode se transformar numa arma poderosa, se estiver ao lado das lutas sociais e se souber articular-se com o conhecimento popular. “O conhecimento popular se enriquece com a ciência, mas a ciência também pode se enriquecer com o conhecimento popular”, afirma ele.
Fórum de gestão cultural
Paralelamente ao 4º Congresso de Extensão e Cultura, a Unicamp recebe também o VI Encontro Nacional do Fórum de Gestão Cultural das Instituições Públicas de Ensino Superior (Forcult). Para Fábio Cerqueira, responsável pela organização do Fórum, a mudança de governo na esfera federal permite vislumbrar mudanças na política cultural universitária. “Depois de muito tempo, realizamos um encontro que não seja num contexto de resistência. Desta vez, estamos num contexto de muita esperança de que consigamos realizar articulações com o governo federal para, inclusive, a criação de uma política nacional de gestão cultural universitária”, disse ele, ao ser aplaudido.
Matéria originalmente publicada no Portal da Unicamp.